terça-feira, 17 de abril de 2012

Usurparei as sabias e belas palavras de José Régio em seu Cântigo negro:


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

..
Recitem poesias ..

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Vaga vita!

.. demorou, mas cá estou de novo a escrever .. não quero escrever por obrigatoriedade. Escrevendo vou me despindo .. me revelando .. mostrando partes intimas minha.
Escrever tem sido um ótimo exercício. Tenho aprendido a descarregar o que não é necessário. Descoberto que existe uma enorme distancia entre o necessário e o que se deseja.

Peregrinos! Estes sim são grandes mestres na sabedoria do viver. Levam o suficiente. Deixam o que não é necessário, eliminam o peso. Confiam no vindouro. Trilham o seu caminho. Fazem o seu caminho, caminhando.
Caminhar! Observando as minhas pernas, ao caminhar, aprendi uma grande lição. Caminhando, minhas pernas se encontravam e se separavam. Aprendi que a mesma coisa acontece em nossa vida. Estamos em movimento, encontramos pessoas, nos aproximamos ao máximo e depois nos separamos delas.
Igual as minhas pernas, paro de caminhar quando permaneço ao lado de alguém. O que é bom. Mas, assim como as pernas, tenho (irei assumir, quem se reconhecer assuma também) a necessidade de andar, ir de encontro ao desconhecido, que mesmo sem que eu saiba me é conhecido já.
Um peregrino não pode parar. Ele caminha. Seu caminho é sagrado. Caminhar é sagrado.

Falando em peregrinos me vêm a mente os turistas. É assim que muitos querem viver. Diferente do peregrino, o turista gosta de bagagem. Gosta de peso, de excedente, de fartura, de conforto .. o turista não caminha, é carregado .. o turista não faz seu caminho, ele vai por onde mandam ir. O turista só saí se tudo já estiver assegurado. Ele não se entrega ao presente, ele não vive um dia por vez. O turista programa o seu futuro, onde vai pousar, o que vai comer, onde parar, até onde ir .. o Turista não se relaciona, ele utiliza as pessoas e os lugares.

Peregrinando, me distanciando (espacialmente) dos amigos cultivados durante a sagrada caminhada, mas me alimentando de cada passo que dou .. é assim que vou seguindo, fazendo o meu caminho ..